26 de agosto de 2009

O CANIL/GATIL DOS NOSSOS IMPOSTOS


Para lá chegar há que atravessar um corredor aparentemente infindável de cães acorrentados pelo pescoço.
Imóveis e assustados, aguardam que alguém os salve e os leve dali para fora, mas lamentavelmente, há quem prefira adquirir ou procriar um animal a dar uma segunda oportunidade a estas dóceis criaturas.

Findo o corredor envidraçado, e à distância de duas portas de metal, encontra-se o gatil; uma grande sala sem luz natural, repleta de boxes, e com o som inconfundível de muitos miares e alguns ladrares de cães bébés.
O cheiro é nauseabundo, devendo-se às fezes e urina que cobrem o chão. As boxes, com fundo de arame, aleijam as patas e estão na sua totalidade desprovidas de caixas de areia, por vezes comida, e muitas vezes de água limpa, estando os recipientes sujos com algo que aparenta ser uma mistura de urina e diarreia.
Devido ao fundo desconfortável e sujo, as escoriações nas patas são comuns, e por lá deixados, as hipóteses de sobrevivência, quer por eventual abate ou doença, são quase nulas.

Integrado no departamento de Limpeza Urbana - e ironicamente, muito longe de ser higiénico - os responsáveis pelo manuseamento e interacção com os animais não são assistentes de veterinária, mas sim homens do lixo.
Os veterinários aparentam desconhecer os animais, e se juntarmos o estado debilitado em que se encontram (por vezes pior do que na rua), então é fácil depreender que a assistência veterinária encontra-se reservada somente para o momento da adopção, quando se tornam pertença de alguém.
No meio de tantos animais, encontram-se vários bébés, alguns visivelmente doentes, outros aparentemente saudáveis. Uns com as mães, outros sozinhos, alguns nascidos no local - sobre a terrível base de arame - mas todos deixados à sua sorte.
Numa deslocação vi, juntamente com mais duas pessoas, uma mãe com os recém-nascidos, alguns ainda vivos, outros esmagados contra a rede de metal, o sangue deles a escorrer para o chão já de si imundo.
É uma imagem demasiado crua e cruel para transpor para palavras.

Este é o retrato do gatil municipal de Lisboa, por detrás de portas, a anos de luz dos olhares dos media que teimam em perseguir os candidatos à presidência.
É uma realidade de terceiro mundo, de cenário de guerra, financiada pelos nossos impostos e a qual, a maioria de nós, teima em virar a cara quer por indiferença quer por receio daquilo com que poderá ser confrontado.
Somente cerca de 8% dos animais que lá chegam têm a sorte de ser adoptados, pelo que, para além da esterilização massiva e não procriação de animais, é urgente sairmos da nossa zona de conforto e oferecermos uma segunda oportunidade de vida aos que por lá se encontram.
Lamentavelmente, este retrato não será certamente único neste país, mas por de lá haver resgatado alguns animais, é aquele que conheço intimamente.

A curto prazo, algumas medidas muito simples - e de baixo orçamento - melhorariam substancialmente a vida destes animais... No caso do gatil, bastava substituirem as boxes por outras com base em metal (a fim de não lhes aleijar as patas e serem de fácil higienização), de preferência individuais para não se propagarem doenças (só mistas no caso de mãe e crias), com acesso a comida e água limpas e, igualmente essencial, a areia de gato, renovada uma vez ao dia, a fim de fazerem as suas necessidades de modo higiénico.
No caso dos cães, bastava boxes ao ar livre (como as da entrada) e sem recurso a correntes, umas mantas, e acesso a comida e água limpas.
Para além disso, seria igualmente de louvar que todos os animais passassem obrigatoriamente por uma consulta veterinária aquando da sua chegada, e posterior tratamento caso necessário.
Esta simples logística seria levada a cabo com a ajuda de auxiliares de veterinária, profissionais certamente mais aptos para o contacto com animais que o pessoal da Limpeza Urbana.

Para além destas medidas dignas de país de primeiro mundo, o maior ganho estará na prevenção, pelo que seria também essencial abraçar uma nova política de controlo do número de animais de rua.
Há muito que defendo que os canis municipais, ao invés de actuarem como um corredor da morte, deveriam aplicar os seus recursos na prevenção de nascimentos, atacando o problema na raíz e não somente de modo paliativo.
As Câmaras devem utilizar os meios que possuem, como veterinários e instalações, na esterilização massiva de colónias a fim de prevenir os nascimentos, não na morte de quem já nasceu.
Ao esterilizar os animais de rua, devolvendo à colónia de origem os não domesticáveis e colocando para adopção as crias e adultos sociáveis (alojados em espaços com boas condições de limpeza e nutrição, claro está), estar-se-ia simultaneamente a controlar a natalidade e promover adopções.
Deste modo - mais humano e racional - de lidar com um problema existente, todos sairíam vencedores... Os animais não perderiam a vida de forma desumana, os veterinários serviriam o propósito da sua vocação (salvar vidas), e os impostos de todos nós contribuiriam para uma sociedade de trato mais civilizado.

A fim de defender uma política de esterilização nos canis municipais, foi criada uma petição online, que deverá ser assinada até ao próximo dia 15 de Setembro.
É da maior importância que todos aqueles que partilham de uma visão mais humana no trato animal se juntem a esta causa, a fim de todos juntos colocarmos um ponto final nesta calamidade silenciosa.

Para finalizar, gostaria de acrescentar que, apesar de não serem imagens confortáveis para quem gosta de animais, aconselho *vivamente* a adopção de um animal num qualquer canil/gatil municipal.
Pode parecer contraditório após este relato, mas o facto é que se todos virarmos o rosto áqueles cães e gatos, ninguém os salvará por nós.
Há que resgatá-los (sem recurso às cruéis tenazes de metal com que os retiram das boxes - basta colocar a transportadora lá dentro), oferecer-lhes uma segunda oportunidade na vida, e divulgar ao máximo as péssimas condições em que são mantidos.
A estatística, terrível na sua enormidade, confirma que 92% dos animais que por lá se encontram não são adoptados, pelo que quer percam a vida ao 9º dia de estadia ou passado um mês, o seu final será sempre o mesmo. A morte.
Cabe-nos a nós fazer a diferença.

( Na imagem pode ver-se o Tomás, um dos resgatados do gatil, duas semanas após a sua chegada a casa. Ainda muito magro e ferido, embora visivelmente melhor, encontrava-se nesse momento em recuperação. )


Canil Municipal de Lisboa, Estrada da Pimenteira, Monsanto.
As adopções podem ser realizadas nos dias úteis entre as 9h30 e as 17h00, e no fim-de-semana mediante contacto prévio através do telefone 21 361 77 00.
Passados 20 dias da adopção, a esterilização é gratuita.



( Texto e Imagem: Iolanda Mealha )

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9 comentários:

  1. Iolanda,

    É sempre com muita tristeza que leio os testemunhos sobre aquilo que se continua a passar impunemente, durante anos a fio, no Canil/Gatil Municipal de Lisboa... :(

    Apesar de ser um assunto que muito me toca pela negativa, considero o teu testemunho extraordinário!
    Muitos parabéns!

    Mais pessoas deveriam ter essa coragem que tiveste: de dar a cara, de escrever sobre o que ali se passa, de tentar promover a adopção daqueles animais (se ao menos podermos salvar um animal que seja dos que ali se encontram, já estaremos a fazer muito!), de contribuir com sugestões para a melhoria daquele espaço (e essas sugestões, por vezes, são tão fáceis de ser aplicadas na prática, basta haver vontade).
    Em suma, de dar a conhecer o que se passa nesta nossa cidade em termos de defesa dos direitos dos animais... já que muita gente parece não o saber e continuar a entregar os seus animais no Canil/Gatil Municipal.

    Aconselho vivamente a que quem desconhece o Canil/Gatil Municipal lá entre, pois só assim, poderá visualizar algumas das hediondas imagens que aqui descreveste... e ver se consegue continuar a dormir de consciência tranquila, depois de ali ter entrado uma única vez que seja (no meu caso, desde que lá entrei a primeira vez, não mais cosegui ter descanso).

    De há 2 anos para cá, algumas coisas (pessoas) mudaram no Canil/Gatil Municipal; mas, infelizmente, uma andorinha não chega para nos trazer a Primavera, nem tão pouco algumas pessoas ali dentro conseguem remar contra a má maré institucionalizada.

    Partilho inteiramente a tua ideia em relação às esterilizações dos animais de rua e devolução dos que não sejam viáveis para adopção às suas colónias de origem.
    Infelizmente, também, aí continua a haver muito a fazer em termos de mudança de mentalidades neste nosso país.

    Mas, como costumo dizer, se todos nós fizermos um pouco naquilo que está ao nosso alcance, este mundo poderia, de facto, ser muito melhor!

    Um abraço amigo

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  2. Iolanda, estou contigo. Tal como a Alexa, também eu sei (in)felizmente a realidade do camnpo de extermínio de Monsanto, perdão, o canil dos nossos impostos.

    Bem hajas!*

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  3. bonito artigo infelizmente sobre esta realidade terrível da forma como são tratados os nossos animais da rua nos gatis e canis municipais. Tanbém felicito a autora do artigo assim como a Alexandra Carvalho pela forma como negam este SILENCIO que se transformou num GRANDE SILENCIO da nossa sociedade portuguesa, e que têem a CORAGEM que falta a muitos de FALAR DENUNCIAR tais factos reais de vergonha absoluta & que a meu ver estas situações deviam ser punidas pela lei, pois estes individuos esquecem-se que os ANIMAIS TAMBÉM TEEM DIREITOS que devem ser RESPEITADOS !(sobretudo quando se trata de instituições públicas ! )

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  4. Olá Iolanda,
    Obrigada pelo teu testemunho, apesar de horrendo. Já conhecia o que lá se passava pela Alexandra e infelizmente é o pão nosso de cada dia. Fico muito triste ao saber disto, tenho 2 gatos que os fui buscar à união zooófila e não posso ter mais, mas estou disponível para ajudar a divulgar estes casos. Quanto à petição, não me lembro se já assinei, senão vou assiná-la.
    Obrigada.
    Dulce

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  5. infelizmente é uma realidade que todos, digo todos deviamos divulgar. Mas as associações aqui teriam um papel muito importante e nada fazem, mas nada fazem. Aliás existem associações onde se passam situações que são de verdadeiro horror. uma delas bem perto do canil do monsanto, arfranjem coragem e denunciem. Os animais mereciam um tfgratamento muito melhor. Mas os cagões que estão em algumas associações preferem a exibição barata dos seus lulus no monsanto, em alegre cavaqaueira, enquanto estes pobres animais ali morrem de tristeza e de mis~eria. Parabens minha senhora pela sua coragem, e já agora faça o mesmo à associação onde os animais são violados ed torturados.

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  6. que mais dizer....vou assinar a petiçao...

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  7. Eu denunciei aos 4 ventos, tenho enviado semanalmente cartas aos candidatos a autarcas desta cidade e restantes politicos, obtive resposta do Chefe de Divisão do Departamento de Higiena Urbana e Residuos Sólidos, Verissimo Pires.

    Segundo este serviço a culpa de tudo é de quem abandona os animais,dizem ter boxes ao ar livre de fácil circulação e com espaço para os cães circularem, dizem ainda que as imagens que circulam na net são de animais que já não se encontram no canil há cerca de 2 anos...e muito mais....Diz-se ainda que são muitos aqueles que por falta de esclarecimento ou má fé, culpam a câmara em vez de colaborarem com esta para encontrarem a melhor via para estes animais...

    Se sabem que não é verdade, confrontem estes senhores e já agora, apresentem as soluções, façam o que eles pedem, ofereçam colaboração e vamos ver qual o retorno...

    Verissimo Pires e Carlos Ferreira (Director)

    E.mail: dhurs@cm-lisboa.pt
    Telefones:213 253 300 / 218 171 257
    Atendimento ao Municipe: 213 253 300

    Enviem este post, a estes senhores, façam com que levantem o Rabo da cadeira e se desloquem ao canil, envie também para os diversos orgãos de comunicação deste país....

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  8. Iolanda parabéns pela sua atitude em contar na 1ª pessoa aquilo que viu dentro daquelas paredes. Eu pessoalmente nunca lá fui, e por aquilo que acabei de ler, ainda bem que nunca lá fui...:(
    O que acha, já agora de, de contactar o "Nós por cá" da Sic. Acho que seria uma mais valia pois parece que há muitos autarcas que só fazem alguma coisa depois de serem "denunciados" pela comunicação social. Acho que nos deveriamos "aproveitar" desta altura de eleições. ;)

    Susana T.

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Obrigada pelo seu comentário, o qual será publicado muito em breve.